Pagford com certeza seria a cidade perfeita que os Dursley escolheriam morar depois de terem se mudado da Rua dos Alfeneiros. Esses foram os pensamentos que, com certeza, passaram pela cabeça dos aficionados leitores de “Harry Potter” ao lerem apenas as primeiras páginas do novo livro de J.K. Rowling, The Casual Vacancy (Morte Súbita).
Por Andrew Leonard
Depois de cinco anos da estreia do último livro da
saga “Harry Potter” em julho de 2007, foi com muito entusiasmo e um pouco de
receio que adquiri a obra de 512 páginas no dia 28 de setembro de 2012. Esse
livro seria mais uma oportunidade de J.K. Rowling expandir o talento dela para
um gênero totalmente diferente do qual se dedicou durante anos. E essa
transição foi um ponto crucial. Mas logo fiquei um pouco mais reconfortado com
a habilidade da autora de saber contar uma boa história, seja lá qual for o
contexto.
Aulas de feitiços, poções, Expresso de Hogwarts, A
Toca, bruxos, varinhas, elfos, Copa Mundial de Quadribol, lobisomens e Armada
de Dumbledore? Tudo isso parece ter decidido ficar embaixo de uma capa da
invisibilidade ou ter tomado uma poção polissuco preparada durante uma década
de magia para se transformar em duplicidade, uso de drogas, sexo explícito,
embates políticos, falsidade, bullying e diversas outras temáticas. Embora em
Hogwarts sempre se apresentem alguns perigos aos personagens, esse local mágico
só traz lembranças boas e é tido como um lar tanto para o próprio Harry quanto
para os fãs do bruxinho.
Mas o novo mundo criado pela mente brilhante de
J.K. Rowling é tão deprimente e realista que Madame Pince jamais consideraria a
ideia de colocar a obra sequer na Seção Reservada da Biblioteca de Hogwarts. E
você, certamente, não contaria os dias num calendário para pegar um trem
expresso para visitar muitos dos personagens. A maioria deles você não pode
deixar de odiar enquanto descobre que intimida os colegas na escola, não se preocupa
com o bem-estar familiar e trata os outros como se não fossem nada, pensa
apenas no que é melhor para si e detém uma mente tão fechada que torna a vida
de muitos moradores um inferno. Enquanto há outros que são meros cidadãos
vítimas da injustiça e da falta de compreensão.
Mas isso não nos faz perder o interesse neles
enquanto percebemos os diferentes pontos de vista que os outros frutos da
imaginação fértil de Rowling têm uns dos outros. Isso gera em nós a dúvida
quanto à verdadeira importância de tal pessoa para a história e a compreensão
do por que tomam atitudes que a sociedade consideraria fora do padrão.
O ponto central da trama gira em torno da morte do
novo personagem principal de Rowling, o vereador Barry Fairbrother, que decide
sair com a esposa Mary para comemorar o aniversário de dezenove anos de
casamento e não divide muitos momentos com os leitores ao morrer de repente com
um aneurisma cerebral no estacionamento de um campo de golfe.
O falecimento de Barry causa choque para os que o viam
como uma pessoa importante para o desenvolvimento de Pagford, e alegria para os
que agora teriam uma chance de se candidatar para ocupar o lugar dele no
Conselho da cidade e fazer valer procedimentos que valorizariam a classe
dominante local.
Dilemas adolescentes, exposição de uma realidade
cruel e a importância de saber tomar as decisões certas são temas discutidos
nas obras de J.K. Rowling que me fazem admirá-la ainda mais. Ao começar a ler o
livro não há como negar que a pessoa sinta um choque. Não só por causa das
temáticas muito diferentes, mas por jamais imaginar que a autora escreveria uma
história que nos faz refletir sobre uma realidade que está mais próxima de nós
do que nunca. Há cenas de personagens que o leitor carrega a angústia, o desespero
e a sensação de ter de enfrentar os impasses de um mundo bastante injusto. Como
foi mencionado na crítica da Entertainment Time “Pagford é uma cidade onde você
jamais iria querer viver. Mas você já vive nela.”
Alguns leitores com certeza acharão estranho ver o
uso frequente de palavrões, de linguagem pejorativa, de detalhes explícitos de
sexo e de como é difícil a vida de pessoas marginalizadas por uma sociedade
preconceituosa. A obra é realmente depressiva, inteligente e há partes muito
cômicas e irônicas.
Durante a leitura da obra acompanhei as críticas de
jornais internacionais e de críticos renomados e fiquei espantado ao ler que
alguns consideravam que os conteúdos tratados por Rowling destruíam a imagem da
autora como escritora da aclamada série “Harry Potter”, que vendeu 450 milhões
de cópias em todo o mundo. Mas tenho de discordar. E meu motivo para isso é que
as tramas pertencem a gêneros totalmente diferentes. Como a própria J.K.
Rowling disse “Meu novo romance será totalmente diferente de Harry Potter.”
E, infelizmente, o que é relatado no livro é a pura
realidade. Uma realidade tão gritante que nos faz parar e refletir o quanto as
decisões políticas são importantes e, mais importante ainda como o poder é
exercido pelas pessoas que estão em escalões mais altos, que devem tomar
decisões que atendam as necessidades de todas as pessoas da comunidade, mesmo
que mantenham o ideal de as considerarem manchas e vergonha para a localidade.
E a urgência para essa reflexão coincidiu com o
lançamento do livro, quando restava apenas alguns dias para as eleições para
prefeito e vereadores em todo o Brasil. O que me fez pensar ainda mais sobre as
temáticas discutidas.
O conflito psicológico que se passa na cabeça dos
personagens nos faz entender por que tomam um rumo na vida que muitos
Pagfordianos não aprovariam. Uma das personagens mais intrigantes de toda a
trama certamente é Krystal Weedon, filha de uma prostituta dependente de
heroína, que tem de cuidar do irmãozinho Robbie. Além dos problemas que tem de
aguentar e de viver num bairro marginalizado próximo à cidade, conhecido como
The Fields (Os Campos), Krystal sofre diversas injustiças e é alvo fácil das
pessoas que querem usá-la para próprio benefício.
Stuart Walls, mais conhecido como Fats, certamente
é outro personagem que colocaria medo até mesmo em Draco Malfoy e sua turma de
intimidadores.
Fiquei feliz por ter lido sobre um personagem com o
meu nome, Andrew Price, um adolescente que despertou a minha curiosidade não só
por sermos xarás, mas pelas atitudes corajosas e às vezes mal compreendidas que
o garoto tem de tomar para assegurar que pessoas erradas não ocupem papéis
decisivos na cidade em que mora.
Dificilmente alguém vai ler sobre um dos
personagens e dizer nunca ter conhecido ou visto alguém que tenha os mesmos
comportamentos ou tenha passado por uma situação semelhante. A briga pela
política se torna tão acirrada que às vezes questões éticas são transgredidas
mesmo quando os personagens veem que não têm mais saída em determinadas situações.
Problemas pessoais e rivalidades só contribuem para revelar segredos do passado
e verdades espantosas.
The Casual Vacancy é uma trama muito
bem-estruturada pela mente inventiva de J.K. Rowling. A narrativa continua a
ser envolvente e rebuscada em certas partes e repleta de informações sobre os
mais de vinte personagens, que se entrelaçam a todo o momento durante a
história. É um retrato fiel dos conflitos de classes sociais da atualidade,
cheios de problemas deprimentes e mais assombrosos do que o Fantasma de Barry
Fairbrother.
Certamente os leitores fiéis de Harry ficarão com
aquela sensação de “está faltando alguma coisa” por estarem acostumados com os
conteúdos presentes nos sete livros da saga que tornou Rowling bilionária. E
esse sentimento com certeza foi ocasionado pela obra ser tão oposta à saga do
bruxinho assim como comparar as personagens da Srª Weasley e de Belatriz
Lestrange.
Considero a obra uma boa história escrita por uma
autora genial. Não provoca uma revolução na literatura como a Pottermania, mas
vale muito a pena lê-la. Não sei se daria um bom filme, pois trata mais de
conflitos internos e se foca em embates e problemas vividos entre pais, filhos,
professores, alunos, maridos e esposas para decidir quem ocupará o lugar
deixado por Barry depois da morte. J.K. Rowling mais uma vez cria personagens
intrigantes, interessantes e incríveis. A caneta dela é sempre uma caixinha de
surpresas. É um best-seller inteligente e bem-articulado, mas se limita apenas
aos problemas de uma pequena cidade da Inglaterra. Enquanto acho que Harry
Potter vá mais além e ofereça um mundo mais amplo e mais encantador para os fãs
da série. Enfim, The Casual Vacancy é um livro bom, bem-escrito e bem bolado
para adultos, apenas isso. E Harry Potter jamais deixará de ser um clássico que
transcende os limites da imaginação.
O final de The Casual Vacancy não poderia deixar de
ser mais trágico e chocante. É uma história impressionante que me fez sentir os
olhos queimando por causa das lágrimas enquanto me aproximava da conclusão da
trama.
Acredito que muitos trabalhos bons ainda virão da
autora. É muito interessante perceber que um escritor possa ter capacidades de
escrever bem em diferentes gêneros. O próximo trabalho de Rowling será um livro
voltado para o público infantil e ela ainda confirmou que pode escrever mais
histórias sobre Harry Potter se tiver uma ideia fabulosa. Cruzemos os dedos
para que J.K. compre logo as passagens de trem de Manchester para Londres,
embarque num jatinho em direção aos EUA ou que outra ideia fantástica lhe ocorra
em outro meio de transporte para nos levar mais fundo nos mundos que criou e
nos que em breve virão.
The Casual Vacancy já está disponível no Brasil, com o título
"Morte Súbita", desde o dia 05 de dezembro de 2012. A obra foi publicada pela Editora Nova
Fronteira.
Nunca li Harry Potter... E apenas assisti alguns filmes da saga. Porém, como foi tão bem escrito este artigo, acho que irei fazer um 'fezinha' e comprar para minha noiva ler e atestar a qualidade...
ResponderExcluirTalvez esta nova obra seja mais interessante para mim, pois são temas que adoro.